É preciso agir quando se pode fazer a diferença
Deveria ser óbvio, diante do banho de sangue que presenciamos esses dias em Israel e na Palestina, que a comunidade internacional chegasse ao consenso quanto à necessidade de um cessar-fogo. Não é o que se vê.
Redigida pelo Brasil, a resolução do Conselho de Segurança da ONU —que poderia evitar a continuação de bombardeios e levar água, alimentos e eletricidade à população civil inocente na Faixa de Gaza— foi vetada pelos EUA. Na visão de Washington, o texto não teria expressado suficientemente o direito de Israel à autodefesa.
Curiosamente, o Brasil é um dos poucos países —talvez o único— com a possibilidade de romper o ciclo vicioso da guerra. Não temos passivo de conflitos. Com um gesto altruísta e fundado em nossos interesses permanentes, o Brasil reúne as condições políticas, materiais e humanas para propor a emergência de uma Operação de Manutenção de Paz sob a égide da ONU.
Uma missão brasileira deveria ser integrada por nossas tropas e complementada por forças de países que, como o Brasil, não detêm interesses geopolíticos diretos na região. Essa contribuição não seria inédita. Nas décadas de 50 e 60, o Brasil teve decisiva participação na força de paz da ONU que estacionou em Gaza. Tão relevante é o papel das Forças de Paz que receberam o Nobel da Paz em 1988.
Qualquer grande potência do hemisfério norte hoje é incontornavelmente vista com suspeição pelas demais no contexto do Oriente Médio. O impasse atual no Conselho de Segurança reflete a tentativa de uma imposição de poder hegemônico por parte dos Estados Unidos e o temor de sua erosão. E, pior, evoca a desconfiança em relação à sedimentação de uma nova configuração de poder na Ásia Ocidental.
Por estar alheio a esse contexto, o Brasil reúne as condições de se apresentar como mediador isento, suficientemente desinteressado e descolado das tramas regionais, mas suficientemente capacitado e interessado em promover a paz e elevar o seu perfil internacional.
Como entre 1957 e 1967, quando tivemos papel decisivo para que o Oriente Médio vivesse momentos de paz, aquela participação, reeditada agora, é ainda mais decisiva. Naqueles dez anos, a missão integrada por mais de 6.000 jovens compatriotas teve a responsabilidade de pacificar a região de Gaza. E fez isso com louvor.
Em 2011, o Brasil integrou a operação de paz no Líbano com a contribuição de mais de 2.000 militares. Entre 2004 e 2017, o Brasil esteve envolvido na Missão das Nações Unidas para a Estabilização no Haiti, numa operação em que 37 mil militares foram responsáveis por tarefas de coordenação e comando militar. Pela excelência da atuação de nossos quadros, e por ter fornecido o maior contingente de tropas, a missão trouxe prestígio e reconhecimento ao Brasil.
Nossas credenciais técnicas e diplomáticas se associam ao dever moral de atuar em favor da paz neste momento em que o mundo teme o pior desfecho para a crise. Diferentemente do contexto da Guerra na Ucrânia, no Oriente Médio temos razões e tradição para nos posicionarmos com voz e atitude conciliadora. O presidente Lula, reconhecido internacionalmente por sua habilidade mediadora, pode —agora sim— ter papel decisivo no encaminhamento desse processo na Cúpula do Egito, que está por acontecer.
Não podemos nos abster de um papel ativo quando temos o potencial de fazer a diferença. As operações de paz são um pilar importante para a inserção internacional do Brasil e agora, num momento em que o país retorna à normalidade democrática, podem contribuir para que o país tenha papel central no novo capítulo da paz mundial a ser construído urgentemente.
Philip Yang
Fundador do instituto de urbanismo e Estudos para a metrópole, sênior fellow do Cebri e integrante do coletivo Derrubando Muros.
José César Martins
Sociólogo, investidor em tecnologia e coordenador do Derrubando Muros.
Artigo originalmente publicado na Folha de S.Paulo em 22 de outubro de 2023.