Números mostram que política econômica de Lula 2 e Dilma 1 não era sustentável
Com o passar do tempo e a consolidação das estatísticas é possível olhar para trás com mais distanciamento.
A economia brasileira entrou em uma profunda crise em 2014 e saiu dela somente no final de 2016. A recuperação foi muito lenta. Ainda vivemos sob desequilíbrio fiscal estrutural e tudo sugere que a dívida pública continuará a crescer até 2026 pelo menos.
Uma questão importante é saber quando que iniciamos o desvio da rota da estabilidade macroeconômica. Foi no governo Lula 2 ou em Dilma 1? Esta coluna apresenta os números. A evidência é clara de que começamos a construir nossa grande crise no segundo mandato de Lula.
A tabela apresenta algumas estatísticas para alguns anos que documentam a afirmação no final do parágrafo anterior.
Na primeira linha, lê-se a evolução do custo unitário do trabalho medido pela renda do trabalho da Pnad contra a produtividade do trabalho medida pelo observatório da produtividade Régis Bonelli do FGV Ibre. A partir de 2007, os salários sobem a uma velocidade muito superior à da produtividade.
Na segunda linha fica claro a queda da rentabilidade das empresas —medida pela geração de caixa como fração do faturamento (dados das empresas abertas). Para essa estatística, a piora ocorre a partir de Dilma 1.
Da terceira linha, consta a evolução do superávit primário estrutural do governo central medido pela IFI (Instituição Fiscal Independente). Queda acentuada em Lula 2. A contrapartida da elevação do déficit fiscal é a claríssima piora, a partir de Lula 2, das exportações liquidas (estatística representada na quarta linha da tabela)
O hiato de recursos medido pela IFI —se positivo a economia opera além do pleno emprego— indica que, já em Lula 2, a economia testava os limites da atividade. Na época, todas as estimativas de taxa natural de desemprego indicavam algo em torno de 9,5%, bem acima do observado já em 2010. Após a reforma trabalhista há sinais de que a taxa natural se encontra abaixo de 8,5%.
A inflação de preços livres, após o nadir em 2006 de 2,6% ao ano, fecha o segundo mandato de Lula a 7% e fica nesse patamar até 2014. Ao longo do primeiro mandato de Lula, o atraso tarifário foi corrigido. Política desfeita já no segundo mandato. Dilma 1 termina com atraso dos preços administrados, em relação à posição de dezembro de 2002, de 6,3%.
É comum se alegar que a queda do investimento público teria sido responsável pela desaceleração da economia no primeiro mandato de Dilma. No entanto, como proporção do PIB, o investimento público eleva-se até 2013, inclusive. Os números documentam: a política econômica em Lula 2 e Dilma 1 era não sustentável. Que o melhor momento que tivemos —acho que desde que Pedro Álvares Cabral colocou seus dois pés na Bahia— foi sob uma política econômica insustentável indica que nossa democracia ainda não encontrou a fórmula de compatibilizar crescimento econômico sustentável com equidade e redução da pobreza.
Samuel Pessôa
Pesquisador do Instituto Brasileiro de Economia (FGV) e da Julius Baer Family Office (JBFO); doutor em economia pela USP; integrante do coletivo Derrubando Muros.
Artigo originalmente publicado na Folha de S.Paulo em 28 de outubro de 2023.