Brasil é um dos países com maiores vantagens comparativas para se tornar parte da solução para os desafios da crise climática
Os roteiristas de filmes-catástrofe terão dificuldade para processar 2023. Desde o início do ano, mais de 100 pessoas morreram em enxurradas históricas só no Brasil — da tragédia no Litoral Norte de São Paulo, em fevereiro, ao desastre no Rio Grande do Sul, em setembro. Na pior estiagem do Amazonas, rios secaram. Mais de 100 botos e milhares de peixes cozinharam até a morte. O prejuízo econômico é enorme, e o impacto social e humano jamais conseguiremos esquecer ou precificar.
Sim, é ano de El Niño, potencializado pela elevação da temperatura dos oceanos causada pela mudança do clima. Este pode em breve ser o novo normal num planeta em ebulição, como alertou o secretário-geral da ONU, António Guterres.
A mudança climática é um acelerador de pobreza e desigualdade. Nossos sonhos de desenvolvimento social podem ser comprometidos para sempre se não fizermos nada.
Décadas de inação, alimentadas por campanhas negacionistas, retardaram muito as urgentes ações de mitigação. Temos não só que cortar emissões aceleradamente, mas adaptar nossa vida e infraestrutura aos impactos climáticos, além de gerenciar perdas e danos causados por eventos cada vez mais fortes e frequentes.
O cobertor é curto e o desafio, cada vez mais intenso e caro. Há pouco tempo para fazer tudo o que precisamos sem comprometer mais o desenvolvimento humano e ampliar as desigualdades.
O Brasil é um dos países com maiores vantagens comparativas para se tornar parte da solução. Não podemos perder a oportunidade de transformar nossas vantagens comparativas em vantagens competitivas. Precisamos de um pacto social entre governo, sociedade e setor privado.
Liderar pelo exemplo
Desde a posse do presidente Lula, o Brasil reconstruiu a governança climática, retomou a fiscalização ambiental e começou a implementar um novo plano que já resultou na queda de 49% do desmatamento na Amazônia de janeiro a setembro, na comparação com o mesmo período de 2022. Corrigimos a meta brasileira no Acordo de Paris, retomando os níveis de ambição de 2015. Lançamos o Plano de Transformação Ecológica e caminhamos para aprovar o mercado de carbono. Fortalecemos o Fundo Clima, com emissão de títulos soberanos verdes. Retomamos o Fundo Amazônia, relançamos o Bolsa Verde e priorizamos ações para desenvolvimento da bioeconomia e do reflorestamento. Também iniciamos a reindustrialização verde e o novo Plano Safra com elementos de baixo carbono, assim como a transição energética.
Essa agenda sistêmica e integrada demonstra a determinação de unir de forma inédita e estruturada nossos recursos naturais e capacidades sociais e financeiras a caminho de um modelo de desenvolvimento socialmente justo, economicamente robusto e ambientalmente sustentável.
Zerar desmatamento, precificar o carbono e adaptar a sociedade são ações para defender os interesses nacionais: proteger cidadãos e ecossistemas, turbinar a economia e aumentar a inserção internacional.
O Brasil está centrado em liderar pelo exemplo. Isso é fundamental para cobrar de quem tem mais responsabilidades históricas. Não se resolve a mais grave crise da Humanidade permanecendo na zona de conforto.
Sabemos da nossa responsabilidade de liderar pelo exemplo em um biênio decisivo. Da trajetória que começou com a Cúpula da Amazônia, em agosto, até a COP30, em 2025, vamos presidir o G20, o Mercosul e o Brics. Será preciso fechar lacunas cruciais do Acordo de Paris, como financiamento e novos compromissos de mitigação e adaptação. Talvez a maior contribuição brasileira, além da queda do desmatamento, seja reconstruir a confiança no Acordo de Paris, com maior ambição climática e compromisso ético.
É enorme a preocupação com o fato de que países desenvolvidos retrocedam ou retardem seus compromissos, acelerando a produção de hidrocarbonetos ou fazendo malabarismo contábil com promessas de financiamento climático.
O Brasil já ajudou a romper a paralisia no passado. Precisamos de mais nações com coragem para quebrar a inércia dos resultados obtidos. Por mais meritórios que sejam, eles são insuficientes para atingir a neutralidade de emissões até 2050. Esta é uma agenda inadiável.
Ana Toni
Secretária nacional de Mudança do Clima do MMA; integrante do coletivo Derrubando Muros.
*O artigo faz parte de uma série de 12 textos que explicam e detalham a Convenção da ONU sobre a Mudança do Clima (COP) e as negociações para as mudanças climáticas. A seleção de articulistas e a edição foram obra da Alter Conteúdo.
Artigo originalmente publicado no O Globo em 14 de outubro de 2023.