Não se produzem mudanças de paradigma sem o
empuxo de políticas públicas
A geopolítica é um tema central da agenda nacional porque diz respeito ao poder de um país. A ação geopolítica tem sempre como base os mais diversos recursos de poder —econômicos, ambientais, sociais, culturais e militares— que podemos e devemos mobilizar nas relações com outros países. Em última análise, a geopolítica é importante porque corresponde a um exercício da política que define o lugar do Brasil no mundo: o que somos, o que queremos, como potencializamos o que temos de melhor e como podemos obter o que precisamos para construir um futuro melhor.
Duas mudanças tectônicas do cenário internacional nas últimas décadas fazem da geopolítica um tema inadiável. A primeira é o deslocamento do eixo de poder do Ocidente para a Ásia. O aumento do peso econômico relativo do Oriente e do Pacífico demanda uma renovação de nossas políticas públicas em diversos setores do governo e um reposicionamento diplomático que seja condizente com essa nova correlação de forças internacionais. E condizente também com as nossas demandas, capacidades, anseios e interesses concretos.
A segunda mudança tectônica do contexto mundial é a revolução digital. As transformações tecnológicas dos últimos 40 anos ensejaram uma verdadeira transfiguração nos modos de vida e de produção. Tal como as revoluções agrícola e industrial que as precederam, a digital abriu uma fase da história com um novo paradigma produtivo. Esse movimento cada vez mais acelerado aponta para o imperativo de uma integração crescente entre o mundo físico e o mundo digital.
Essa transição digital, que ensejará a integração físico-digital, é uma condição fundamental para a prosperidade do país, e a geopolítica e a política externa serão determinantes para que nossa capacitação e infraestruturação nesse domínio ocorram de forma satisfatória, competitiva e sem atrasos.
Não nos iludamos: o ambiente de inovação, os ecossistemas de startups, o capital de risco e a existência de uma classe de empreendedores são fundamentais para o florescimento de novas tecnologias, mas insuficientes para o ingresso competitivo do Brasil na nova economia. Essas forças, espontâneas, “de baixo para cima”, do mercado e da sociedade, precisam se somar e atuar no contexto de ações públicas estratégicas, regulatórias e, sim, geopolíticas —”de cima para baixo”, que sejam capazes de alçar a infraestrutura do país a um novo patamar.
A história é plena de exemplos: não se produzem saltos tecnológicos e mudanças de paradigma produtivo isolados do mundo e sem o empuxo de políticas públicas. Dos EUA ao Japão, da Alemanha à China, dos Tigres Asiáticos à Coreia do Sul: os saltos de inovação, progresso e produtividade resultaram, de forma determinante, de políticas industriais.
Ou seja, o grande jogo da geopolítica será decisivo para o nosso destino. E o momento histórico atual requer uma estratégia e a construção de alianças de cooperação que descortinem o nosso futuro com algum grau de prosperidade, autonomia, paz e justiça social.
Somos uma potência ambiental, alimentar, energética, territorial e humana. Nossos recursos de poder, que não são poucos, precisam ser articulados em torno da construção do que queremos ser: uma sociedade justa e próspera, diversificada, tolerante, antirracista e ecologicamente sustentável.
Em todo caso, seremos inexoravelmente uma sociedade cada vez mais digital. Aqui a geopolítica tem um papel central. Vamos precisar garantir o acesso a ferramentas tecnológicas não só para o aumento da produtividade da economia ou para a melhoria dos serviços públicos, mas, em especial, para aprimorar a democracia e os mecanismos de inclusão política e produtiva.
Esse é um dos grandes diferenciais da agenda que o Derrubando Muros propõe: avançar um programa coletivo inadiável voltado para um rearranjo integrado, uma repactuação que vai desde o redesenho das condições de governança democrática do Brasil até a renovação e o reposicionamento do nosso lugar no mundo.
Por Philip Yang
Fundador do Instituto Urbem (Instituto de Urbanismo e Estudos para a Metrópole) e senior fellow do Cebri (Centro Brasileiro de Relações Internacionais); é integrante do Derrubando Muros e colaborador da publicação Uma Agenda Inadiável