Reduzir desigualdades com políticas para os mais
vulneráveis é prioridade
Embora o tema saúde já seja corriqueiramente uma prioridade para as pessoas, a Covid-19 trouxe a questão para ainda mais perto da vida de todos os brasileiros. O SUS (Sistema Único de Saúde) nunca foi tão comentado e acionado quanto durante a pandemia.
Uma agenda para o futuro da saúde brasileira exige fortalecimento, financiamento sustentável e valorização do SUS. O sistema é referência mundial em prevenção (com o melhor programa de vacinação do planeta), em atenção básica (com a Estratégia de Saúde da Família) e, também, em procedimentos complexos (como nos transplantes e no tratamento de câncer e HIV/Aids).
Para se ter noção da importância do financiamento, o SUS, atualmente, faz todo o seu reconhecido trabalho com apenas R$ 1.000 por pessoa por ano —valor muito inferior à média dos países da Organização para a Cooperação e Desenvolvimento Econômico (OCDE).
Mas também é preciso que o sistema se atualize. É urgente a incorporação de incentivos e ferramentas tecnológicas. É essencial que inverta a pirâmide de prioridades: hoje a maior parte dos recursos é despendida com tratamento, e muito pouco é utilizado com prevenção. É necessário enfrentar as doenças crônicas, responsáveis por dois terços das mortes no Brasil. O foco em quatro fatores de risco pode reduzir consideravelmente a carga de doenças crônicas no país: promoção da atividade física, alimentação saudável, cessação do tabagismo e do consumo abusivo de álcool.
Algumas propostas da agenda inadiável em saúde incluem:
1 – Fortalecer o financiamento tripartite. A sugestão para a melhoria do arranjo é uma composição feita com 50% de recursos federais, com a metade restante compartilhada entre estados e municípios;
2 – Fazer o SUS ser regional. Nestes 30 anos, o principal vetor que conduziu o sistema foi a municipalização. Mas, neste momento, é preciso regionalizar os serviços. É prioridade a criação de centros de excelência regionais, com foco nos procedimentos de média e alta complexidade;
3 – Reforço na atenção básica. Sugere-se a criação de uma carreira nacional de médicos e enfermeiras da família para garantir, com salários mais competitivos, estrutura de apoio e telemedicina, e cobertura permanente de regiões mais pobres, áreas indígenas e de difícil acesso;
4 – Execução de políticas de prevenção e promoção da saúde. Sem uma abordagem interdisciplinar e preventiva, o SUS continuará sendo o “Sistema Único da Doença”, sempre correndo atrás do tratamento em vez de promover saúde e bem-estar;
5 – Melhorar a qualidade de vida dos idosos. Talvez se trate do grande problema mantido em silêncio em nosso sistema de saúde. Os serviços preventivos de saúde para idosos, com especial atenção para estratégias eficientes de cuidados geriátricos e promoção da saúde para a população de baixa renda, são cruciais para garantir dias melhores para esse amplo segmento da sociedade;
6 – Adoção maciça da tecnologia na saúde. Com a universalização de smartphones e dispositivos vestíveis (como relógios e pulseiras inteligentes), uma política de adoção de soluções tecnológicas e infraestrutura de dados para definição de cuidados preventivos e individualizados é possível de ser implementada;
7 – Agregar as competências das empresas privadas e da academia. É preciso que o SUS esteja em cooperação transparente com as entidades de assistência privada e as instituições de ensino e pesquisa;
8 – Encarar a Covid-19 como uma patologia que permanecerá. Os impactos do Sars-CoV-2 estão muito longe de serem resolvidos com o fim da situação pandêmica. Os cuidados para mitigar as sequelas de quem já sofreu da doença serão uma realidade perene no SUS;
9 – Tratar a saúde mental como prioridade. Numa população que aumentou sua expectativa de vida e ainda vive uma pandemia, não é difícil prever que a saúde mental será o grande desafio do SUS na próxima década. Ampliar e qualificar, de modo articulado, a rede de cuidados em saúde mental —da prevenção aos cuidados especializados— é prioritário;
10 – Reduzir as desigualdades em saúde. Nenhuma das ações listadas será bem-sucedida se não enfrentar o principal desafio da saúde pública brasileira: as inaceitáveis desigualdades em saúde. Políticas voltadas às populações mais vulneráveis são absolutamente prioritárias, visto que a pandemia acirrou as já marcantes desigualdades em saúde no Brasil.
Pedro Hallal, epidemiologista
Christian Kieling, médico psiquiatra
Eduardo Jorge, médico sanitarista do SUS
Robson Capasso, médico e professor na Stanford University
Miguel Lago, cientista político
Os autores são integrantes do Derrubando Muros e colaboradores da publicação Uma Agenda Inadiável