Acreditem, o Brasil sabe ensinar matemática e pode zerar a desigualdade racial

Acreditem, o Brasil sabe ensinar matemática e pode zerar a desigualdade racial

Quadruplicamos o investimento em educação, mas o aprendizado de matemática está estagnado

O investimento público direto em educação por estudante do ensino médio, em valores de 2018, passou de R$ 1.810 em 2005 para R$ 8.003 em 2019, um aumento superior a quatro vezes. Infelizmente, o aprendizado em matemática não acompanhou o esforço financeiro. Quadruplicamos o investimento, mas os resultados da Prova Brasil, que avalia o rendimento nacional escolar, continuam estagnados.

Por conta do desenho federativo, cada território tem sua política própria e o Brasil sempre tem ilhas de excelência. O país iniciou a implantação do Ensino Médio integral em âmbito nacional em 2017, a partir de um programa federal de incentivo e de experiências já existentes em alguns modelos de referência estaduais.

A Secretaria de Educação de Santa Catarina, a partir de uma metodologia do Instituto Ayrton Senna, oferta desde 2017 o EMITI (Ensino Médio Integral em Tempo Integral). Mais do que ampliar o tempo de aula, o programa, de forma integrada ao ensino dos conteúdos, incentiva os jovens a desenvolverem competências para a vida.

A avaliação de impacto experimental da intervenção nos anos de 2018 e 2019 mostram que os resultados em matemática foram de 38 pontos na escala Enem em dois anos, cinco vezes o encontrado nas escolas que não adotaram o ensino integral.

O EMITI também gerou consequências na redução de desigualdade de aprendizagem. Entre os alunos de menor desempenho, o programa contribuiu com um adicional de 42 pontos e, entre os de maior desempenho, colaborou com um aprendizado adicional de 33 pontos no Enem. Assim, o desenho desse Ensino Médio foi capaz de garantir mais ensino a todos e de nivelar melhor a aprendizagem entre os estudantes.

Outro resultado muito relevante é a evidência (apesar de não ser estatisticamente significativa) de que o programa eliminou a diferença de proficiência entre brancos e negros em matemática nas escolas avaliadas no estado, com características sociodemográficas idênticas. Nessa análise de 2019, todos os estudantes, brancos e negros, frequentavam a segunda série do Ensino Médio, tinham 17 anos, eram do sexo masculino, viviam com o pai e a mãe (ambos tendo concluído o Ensino Fundamental) e moravam em uma habitação com dois quartos, banheiro, geladeira, máquina de lavar roupa e computador, além de usufruírem de um carro.

Esse resultado não é estatisticamente significativo para a população brasileira, mas é indiscutível a contribuição que essa solução pode trazer para a redução da desigualdade racial estrutural na sociedade.

O Ensino Médio integral em tempo integral garante a melhoria do ensino de todos os alunos, reduz a diferença de aprendizagem entre os de maior e menor proficiência e é capaz de diminuir a desigualdade educacional entre brancos e negros.

Bons programas o Brasil tem, assim como tem o maior orçamento da história do ensino médio. O que falta?

Laura Müller Machado
Professora do Insper; mestre em Economia Aplicada pela USP; integrante do coletivo Derrubando Muros.

Artigo originalmente publicado na Folha de S.Paulo em 17 de novembro de 2023.