País é uma potência verde, mas precisa definir e comunicar sua ambição ecológica de forma coerente
Diante da emergência climática que vivemos, podemos ter distintas atitudes. Se por um lado é certo que os países de renda baixa e média têm o direito de buscar caminhos para o seu desenvolvimento, por outro, suas escolhas a partir de agora precisam ser compatíveis com as metas de redução de emissões de gases do efeito estufa, proteção da biodiversidade e na direção de modelos de economia circular. Como já escrevi, isso não é um jogo de soma zero e sim uma grande e derradeira oportunidade.
Para tal, países em desenvolvimento precisam aproveitar com sabedoria e ambição correta as oportunidades que se apresentam. Isso requer assumir protagonismo —propondo e cobrando os acordos multilaterais e formas de financiamento que podem ajudá-los a atingir os Objetivos de Desenvolvimento Sustentável, uma transição climática justa, e outro patamar de competitividade, produtividade e renda.
E o Brasil pode ser líder desses processos, usar sua influência sobre o G77 —coalizão de 134 nações em desenvolvimento— para alavancar os muitos saltos que precisa dar e ainda trazer muitos outros países junto. Porém, se pegarmos o caminho errado, seria um desastre para todos.
Nesse sentido, o Brasil potência verde precisa definir e comunicar sua ambição ecológica de forma coerente. Isso significa apresentar um plano concreto que inclua metas, prazos e estratégias alinhadas para a redução do desmatamento, eliminação gradual de combustíveis fósseis, e transição para a agricultura de baixo carbono.
E que também detalhe os incentivos e regulações para as energias renováveis, reindustrialização circular e infraestrutura verde e para a criação de novos ecossistemas de empreendimentos sustentáveis de alta complexidade, seja na bioeconomia, biotecnologia ou no mercado de serviços ambientais.

Para o Brasil atingir a neutralidade de emissões até 2050 e realizar seu potencial de liderança global na economia verde, precisará avançar em todos os setores —sem apego ao passado ou ao status quo. Terá que decidir o que quer: ser um país de vanguarda que concluiu uma transição integral e coerente, que desponta na produção e exportação de produtos verdes de alto valor agregado, ou a última grande economia ‘suja’, que fornece insumos para a pequena demanda remanescente da velha economia às custas dos seus recursos naturais e biodiversidade, e de conflitos sociais cada vez mais intensos. São cenários bem diferentes.
Sem ousadia e sonho grande, o status quo tende a vencer. Estaríamos então fadados a perpetuar a velha “divisão internacional do trabalho”, provendo commodities, para potencializar a geração de riqueza e transição climática, de nações que optaram agarrar as novas oportunidades e pensar nas próximas gerações.
Por isso, o Plano de Transição Ecológica do Governo Federal é a nossa chance de pegar o último trem rumo ao clube dos países de renda alta do planeta. É certo que não dispomos dos recursos financeiros que os EUA e a Europa usaram para traçar os seus planos ambiciosos e transformadores, a Lei de Redução da Inflação, e o Novo Acordo Verde Europeu respectivamente.
Mas se optarmos por fazer parte do futuro, temos lastro para alavancar novas formas de financiamento e acordos justos para enfrentar nossos grandes desafios. Acordos firmados pela Indonésia e África do Sul podem servir de inspiração.
Paradoxalmente, possuímos em abundância os recursos naturais que o mundo precisa preservar, como as florestas, e os necessários para o mundo transitar, incluindo minerais estratégicos e terras raras —o que demanda muita responsabilidade e tomada de decisão informada.
Que possamos recuperar a capacidade de sonhar e liderar pelo exemplo.
Ilona Szabó de Carvalho
Presidente do Instituto Igarapé; membro do Conselho de Alto Nível sobre Multilateralismo Eficaz, do Secretário-Geral da ONU; mestre em estudos internacionais pela Universidade de Uppsala (Suécia); integrante do coletivo Derrubando Muros.
Artigo originalmente publicado na Folha de S.Paulo em de 11 Julho 2023