Virou hábito alocar custos de políticas públicas sobre os consumidores
Na última década, a conta de luz residencial dos brasileiros subiu em média 38% acima da inflação. Boa parte desse expressivo aumento são encargos, que passaram de 6% da tarifa final em 2013 para 23% em 2022. O maior dos encargos, a CDE (Conta de Desenvolvimento Energético), saltou de R$ 14 bilhões para R$ 32 bilhões no período —valor próximo ao orçamento do programa Bolsa Família em 2021. Esse expressivo aumento deve-se a políticas aprovadas por parlamentares que preferiram alocar os correspondentes custos na composição da tarifa, não no Orçamento da União. Evitam, assim, a “saia justa” de ter que reduzir outras despesas.
O hábito de alocar custos de políticas públicas nas costas dos consumidores, e não dos contribuintes, infelizmente pegou. Hoje há no Congresso diversos lobbies atuando de forma articulada com alguns parlamentares para beneficiar poucos à custa de muitos. É o caso, por exemplo, da Geração Distribuída (GD): cerca de 3% dos consumidores beneficiados por sistemas fotovoltaicos recebem subsídios custeados pelos demais 97%. O subsídio inserido implicitamente nas tarifas já custa R$ 13 bilhões por ano —o equivalente a 40% do custo da CDE, com perspectiva de aumento por efeito das diretrizes estabelecidas em lei. O subsídio médio ao consumidor com GD é da ordem de R$ 370 por mês.
No passado, quando os painéis solares eram muito caros, fazia sentido subsidiar alguns poucos que se dispusessem a fazer o investimento para testar a novidade. Porém, o preço caiu vertiginosamente (cerca de 90% em dez anos) e hoje já são cerca de 3 milhões de pessoas físicas e jurídicas que legitimamente se orgulham de produzir a própria energia de fonte renovável. Todavia, quase todas desconhecem que são parcialmente sustentadas pelos demais consumidores. Participam, assim, de um Robin Hood às avessas, ainda que involuntariamente.
Há diversos outros subsídios que, tal como a GD, privatizam benefícios e socializam custos. Por isso, a conta de luz normal já não cabe no bolso dos consumidores mais humildes. Para esses existe a Tarifa Social de Energia Elétrica (TSEE), que beneficia com descontos tarifários cerca de 17 milhões de famílias com renda de até meio salário-mínimo per capita cadastradas no CadÚnico.
Esse benefício, também sustentado pelos demais consumidores através da CDE, custará neste ano R$ 5,6 bilhões. Equivale em média a R$ 27 por mês para cada família pobre, quantia que fica cada vez menos relevante para contrabalançar a crescente elevação das tarifas por efeito de subsídios que não são mais necessários, como o que beneficia a GD.
O resultado desse descompasso tarifário é chocante: uma empresa ou família com recursos para aderir à GD recebe em média 14 vezes mais subsídios do que uma família carente com direito à TSEE.
Subsídios são frequentemente criados por ação de grupos de interesse. Às vezes fazem sentido. Com o passar do tempo, quando não fazem mais, são mantidos e majorados pela ação desses mesmos grupos. Na direção contrária, o Congresso deveria aprovar medidas para diminuir —não para aumentar— o cipoal de subsídios desnecessários que manietam a produtividade do país.
Jerson Kelman
Ex-professor da Coppe-UFRJ; foi presidente da Sabesp; diretor-geral da Aneel; presidente da ANA; dirigente da Light e da Enersul; integrante do coletivo Derrubando Muros.
Angela Gomes
Engenheira com 22 anos de atuação no setor elétrico; diretora técnica da PSR.
Artigo originalmente publicado na Folha de S.Paulo em 16 de setembro de 2023.