Apesar de tudo, Lula recebe país com metade da pobreza de 2002

Apesar de tudo, Lula recebe país com metade da pobreza de 2002

Com os mecanismos certos, estaremos cada vez mais próximos da erradicação

A transferência de renda para os mais vulneráveis é um objetivo em si e o primeiro passo para a inclusão ao mercado de trabalho. O Bolsa Família é importante para o alívio da pobreza e torna possível o caminho para sair dela. Permite a emancipação das famílias e a inclusão produtiva.

Com o alívio equacionado, quanto melhores e mais amplas forem as ofertas de trabalho, maior a probabilidade de autonomia das famílias. O crescimento econômico e as políticas de transferência de renda são cruciais para a efetiva superação da pobreza. Quanto melhor for a integração desses dois mecanismos, mais potente será a contribuição.

De acordo com a Pnad (Pesquisa Nacional por Amostra de Domicílios), em 2002, 53% dos brasileiros residiam em domicílios com renda per capita abaixo de meio salário mínimo. Em 2022, 20 anos depois, temos 30% dos domicílios com renda per capita abaixo de meio salário mínimo: a pobreza reduziu pela metade, entre o início de Lula 1 ao início de Lula 3.

Dessa redução de 23 pontos percentuais, 15 pontos foram consequência do crescimento econômico e 9 pontos derivaram de políticas de redução de desigualdade. Além de hoje o país ter a metade da pobreza de 20 anos atrás, o crescimento econômico teve um importante papel nessa redução.

O orçamento do Bolsa Família nos primeiros dez anos do programa era de cerca de R$ 30 bilhões; em 2023, temos R$ 175 bilhões. Considerando que o crescimento econômico fará seu papel e que temos o maior orçamento histórico, é importante analisar o mecanismo de ligação da transferência e da inclusão produtiva.

Apesar do enorme orçamento, em 2023, caso uma mãe com um filho pequeno consiga um trabalho por R$ 450 mensais e declare corretamente essa renda no Cadastro Único, ela perderá os R$ 750 de transferência do Bolsa Família. A família não só é incentivada a declarar incorretamente sua renda como é desincentivada a trabalhar.

Caso o Brasil queira ser contundente em perseguir o artigo 3º da Constituição, que tem entre seus objetivos a erradicação da pobreza, precisamos de um desenho do Bolsa Família que incentive a inclusão produtiva. Isso pode ser feito por meio da adição de um bônus pelo trabalho.

No caso da mãe com uma criança que aceita um emprego, o programa poderia complementar a quantia recebida, adicionando um valor pela inclusão produtiva, de forma a não impor uma perda e a incentivar o trabalho.

Esse ajuste tem uma série de ganhos: o torna mais efetivo no combate à pobreza, melhora a qualidade da declaração de renda e potencializa a participação do trabalho. Com os mecanismos certos, estaremos cada vez mais próximos da erradicação.

Laura Müller Machado
Professora do Insper; mestre em Economia Aplicada pela USP; integrante do coletivo Derrubando Muros.

Artigo originalmente publicado na Folha de S.Paulo em 20 de outubro de 2023.