Com os mecanismos certos, estaremos cada vez mais próximos da erradicação
A transferência de renda para os mais vulneráveis é um objetivo em si e o primeiro passo para a inclusão ao mercado de trabalho. O Bolsa Família é importante para o alívio da pobreza e torna possível o caminho para sair dela. Permite a emancipação das famílias e a inclusão produtiva.
Com o alívio equacionado, quanto melhores e mais amplas forem as ofertas de trabalho, maior a probabilidade de autonomia das famílias. O crescimento econômico e as políticas de transferência de renda são cruciais para a efetiva superação da pobreza. Quanto melhor for a integração desses dois mecanismos, mais potente será a contribuição.
De acordo com a Pnad (Pesquisa Nacional por Amostra de Domicílios), em 2002, 53% dos brasileiros residiam em domicílios com renda per capita abaixo de meio salário mínimo. Em 2022, 20 anos depois, temos 30% dos domicílios com renda per capita abaixo de meio salário mínimo: a pobreza reduziu pela metade, entre o início de Lula 1 ao início de Lula 3.
Dessa redução de 23 pontos percentuais, 15 pontos foram consequência do crescimento econômico e 9 pontos derivaram de políticas de redução de desigualdade. Além de hoje o país ter a metade da pobreza de 20 anos atrás, o crescimento econômico teve um importante papel nessa redução.
O orçamento do Bolsa Família nos primeiros dez anos do programa era de cerca de R$ 30 bilhões; em 2023, temos R$ 175 bilhões. Considerando que o crescimento econômico fará seu papel e que temos o maior orçamento histórico, é importante analisar o mecanismo de ligação da transferência e da inclusão produtiva.
Apesar do enorme orçamento, em 2023, caso uma mãe com um filho pequeno consiga um trabalho por R$ 450 mensais e declare corretamente essa renda no Cadastro Único, ela perderá os R$ 750 de transferência do Bolsa Família. A família não só é incentivada a declarar incorretamente sua renda como é desincentivada a trabalhar.
Caso o Brasil queira ser contundente em perseguir o artigo 3º da Constituição, que tem entre seus objetivos a erradicação da pobreza, precisamos de um desenho do Bolsa Família que incentive a inclusão produtiva. Isso pode ser feito por meio da adição de um bônus pelo trabalho.
No caso da mãe com uma criança que aceita um emprego, o programa poderia complementar a quantia recebida, adicionando um valor pela inclusão produtiva, de forma a não impor uma perda e a incentivar o trabalho.
Esse ajuste tem uma série de ganhos: o torna mais efetivo no combate à pobreza, melhora a qualidade da declaração de renda e potencializa a participação do trabalho. Com os mecanismos certos, estaremos cada vez mais próximos da erradicação.
Laura Müller Machado
Professora do Insper; mestre em Economia Aplicada pela USP; integrante do coletivo Derrubando Muros.
Artigo originalmente publicado na Folha de S.Paulo em 20 de outubro de 2023.