Assunto precisa estar nos planos de clima e de desenvolvimento na região
As ondas de calor que assolam o país neste segundo semestre não são um problema local. Estudos do observatório climático europeu Copernicus afirmam que este foi o outubro mais quente em 125 mil anos em todo o planeta. Em nossa região, a América Latina e o Caribe, as vulnerabilidades impostas pelas mudanças climáticas são um prenúncio de desafios que precisam ser encarados o quanto antes.
A Organização Meteorológica Mundial (OMM) tem registrado tendências alarmantes de aumento de temperatura, alterações nos padrões de precipitação e recuo de geleiras em toda a região. As consequências dessas mudanças climáticas se manifestam na forma de chuvas excessivas, inundações, deslizamentos de terra, atraso no início das estações chuvosas e aumento na frequência e intensidade de secas.
As ondas de calor, antes esporádicas, estão se tornando comuns. Há áreas de seca severa na Costa Rica, México, Chile, Andes, bacia do Prata e bacia amazônica –é bom lembrar que toda a região abriga mais de 57% das florestas primárias remanescentes do mundo. A elevação do nível do mar adiciona outra camada de preocupação. Mais de 27% da população da região vive no litoral e de 6% a 8% dela enfrenta riscos muito altos de perigos costeiros.
As ramificações desses choques climáticos vão além das preocupações ambientais, impactando a saúde humana e a segurança pública, alimentar, hídrica e energética. Em uma região onde 15 milhões de pequenas propriedades representam 14% da agricultura global, os efeitos negativos das mudanças climáticas são evidentes na redução da produtividade do trabalho e das colheitas.
Nesse contexto, a interseção entre mudanças climáticas e migração, a chamada “mobilidade climática”, está recebendo uma atenção crescente. Ela engloba pelo menos três categorias: deslocamento (movimento involuntário devido a riscos), migração (movimento voluntário devido a estresses) e realocação planejada (movimento controlado antes, durante ou após um choque ou estresse).
Na América Latina e no Caribe, a mobilidade climática é principalmente interna, envolvendo movimentos rurais-urbanos e intra/interurbanos. Mais de 2,5 milhões de pessoas de toda a região são temporária ou permanentemente deslocadas a cada ano devido a tempestades, inundações, deslizamentos de terra e choques (cerca de 4% do total mundial). No entanto, a falta de sistemas para monitorar a região dificulta a coleta de dados de qualidade.
Há uma luz no fim do túnel. Organizações como a UNFCCC e a ONU estão incorporando esse fenômeno a acordos sobre migração e refugiados. E países da América Latina e do Caribe começam a dar a devida atenção ao problema.
No Brasil, o Ministério de Meio Ambiente e Mudanças Climáticas e o Ministério da Ciência, Tecnologia e Inovação lideram a elaboração do Plano Clima Adaptação, a revisão do plano nacional de 2016, nunca executado. Colômbia, Peru e Chile também estão desenvolvendo legislação específica, enquanto a Argentina vem ampliando a proteção e assistência, incluindo vistos especializados para pessoas deslocadas da América Central.
Reconhecer o crescimento da mobilidade climática e pensar estratégias de adaptação e resiliência requer visão de futuro, parcerias multissetoriais e processos inclusivos. Aprimorar a base de evidências, criar maior conscientização sobre a mobilidade climática como medida de adaptação, investir em preparação, adaptação e resiliência em nível nacional e, especialmente, subnacional nas cidades de partida e de chegada de pessoas são chaves. Por fim, é necessário incorporar de forma mais robusta a mobilidade climática em planos de clima e de desenvolvimento na América Latina e no Caribe.
Ilona Szabó de Carvalho
Presidente do Instituto Igarapé; membro do Conselho de Alto Nível sobre Multilateralismo Eficaz, do Secretário-Geral da ONU; mestre em estudos internacionais pela Universidade de Uppsala (Suécia); integrante do coletivo Derrubando Muros.
Artigo originalmente publicado na Folha de S.Paulo em 14 de novembro de 2023.