Como disse Edwards Demming, “em Deus acreditamos, para todo o resto, por favor, tragam a evidência”
É necessário que toda política pública tenha seus objetivos bem definidos, tanto para tornar claras as diretrizes como para poder traduzir os objetivos em indicadores mensuráveis.
O monitoramento permite saber se o conjunto de intervenções é capaz de alterar os níveis desses indicadores e, portanto, alcançar os direitos da população. Caso contrário, não temos evidências para discutir a evolução dos direitos, apenas retórica e percepções. Como disse o estatístico americano Edwards Demming, “em Deus nós acreditamos, para todo o resto, por favor, tragam a evidência”.
Em boa medida, é do contraste entre o resultado objetivo e a meta estabelecida que podemos refletir, ter uma bússola para saber se estamos ou não no caminho certo de garantia de direitos. Toda política pública deve dar clareza sobre seus indicadores de resultado.
É indiscutível a indesejabilidade do trabalho infantil e do analfabetismo adulto, ambos são graves violações de direitos. No entanto, a partir dos dados da Pnad (Pesquisa Nacional por Amostra de Domicílios), podemos verificar que obtivemos mais sucesso na erradicação do trabalho infantil do que na erradicação do analfabetismo adulto ao longo dos últimos 20 anos.
A taxa de analfabetismo dos nascidos entre 1950 e 1970 saiu de 11,6% para 10,2% no período, uma queda de 1,4 pontos percentuais em duas décadas. No mesmo intervalo, o trabalho infantil caiu de 10,3% para 0,6%, uma redução de 9,7 pontos percentuais.
Gostaríamos de erradicar ambas as incidências, no entanto, fica claro que precisamos pensar programas mais efetivos de combate ao analfabetismo adulto, área em que praticamente não tivemos melhorias.
Em relação ao trabalho infantil, temos ainda uma reflexão se queremos ou não retomar os indicadores de monitoramento, dada sua gravidade.
Fica claro que precisamos de novas pesquisas para entender os mecanismos que levaram ao maior sucesso no trabalho infantil do que no analfabetismo.
Esses sistemas de monitoramento são uma forma de prestar de contas à sociedade sobre os resultados das políticas públicas em temas delicados. A partir desses indicadores, podemos refletir sobre a quantidade e a qualidade dos gastos públicos alocados para tal.
O monitoramento permite também que façamos uma reflexão com mais embasamento sobre a continuidade e eventuais aperfeiçoamentos necessários a essas intervenções.
A evidência gerada por ele permite que a tomada de decisão a respeito de uma dada intervenção seja feita a partir de fatos documentados, um elemento importante para a decisão social, que é a natureza de toda política pública.
Laura Müller Machado
Professora do Insper; mestre em Economia Aplicada pela USP; integrante do coletivo Derrubando Muros.
Artigo originalmente publicado na Folha de S.Paulo em 3 de novembro de 2023.