Novo cenário fiscal

Novo cenário fiscal

Lula constrói uma herança difícil para seu sucessor que pode, muito bem, ser ele mesmo

O presidente Lula avisou à sociedade brasileira que irá alterar a meta fiscal para 2024. Vários analistas não entenderam a reação do mercado pois o não atingimento da meta era o cenário básico. A pesquisa Prisma Fiscal, conduzida pela Secretaria do Tesouro Nacional, indica que se prevê déficit primário de 0,75% do PIB em 2024. Qual é o problema de o governo reconhecer esse fato e mudar a meta?

O problema é que o arcabouço fiscal desenhado pelo ministro Fernando Haddad considera o não cumprimento da meta. Esse fato tem consequências. A alteração da meta é para impedir as consequências. Esse é o problema.

Três são as consequências de não atender a meta em 2024. Primeiro, será necessário contingenciar gastos no ano que vem. Segundo, são acionados diversos gatilhos que reduzem o gasto em 2025. Por exemplo, não haverá aumentos aos servidores nem novas contratações. Terceiro, o crescimento do teto do gasto de 2026 sobre 2025 será de 50% da taxa de crescimento real da receita de 2025 sobre 2024. (Se a meta for atendida a taxa de crescimento do teto de 2026 sobre 2025 será 70% do crescimento da receita real de 2025.)

Ao impedir as consequências do não atingimento da meta em 2024, o presidente Lula escolheu aumentar o endividamento público no final de seu governo de 2 a 3 pontos percentuais do PIB a mais do que cresceria se não houvesse a alteração da meta.

A elevação da dívida pública entre dezembro de 2022 e dezembro de 2026, segundo a pesquisa Focus do Banco Central, será de 9 pontos percentuais do PIB. Esses viraram algo como 11 ou 12 pontos percentuais do PIB.

Certamente, Lula constrói uma herança difícil para seu sucessor, que pode muito bem ser ele mesmo. Nesse caso, o quarto mandato de Lula será parecido com o segundo de FHC —agenda fiscal pesadíssima por quatro anos.

Na mesma semana em que soubemos que a política fiscal será mais frouxa, o ministro Haddad anuncia dois novos componentes do Comitê de Política Monetária do BC. Um deles é do professor Paulo Picchetti, da Escola de Economia de São Paulo e do FGV Ibre.

A indicação de uma pessoa com a senioridade e a respeitabilidade do professor Picchetti indica que teremos na segunda metade do terceiro mandato de Lula, uma política monetária técnica.

Samuel Pessôa
Pesquisador do Instituto Brasileiro de Economia (FGV) e da Julius Baer Family Office (JBFO); doutor em economia pela USP; integrante do coletivo Derrubando Muros.

Artigo originalmente publicado na Folha de S.Paulo em 4 de novembro de 2023.