O Brasil ainda pode construir seu futuro

O Brasil ainda pode construir seu futuro

Resta à sociedade assumir a responsabilidade
pelo diagnóstico de suas mazelas

Referência na antropologia dos trópicos, Roberto DaMatta, 86, sintetiza: “Hoje, quase na metade do século 21, nos deparamos com uma história política regressiva (e reacionária), negacionista e vazia de programas. Um ‘aqui e agora’ marcado pelo ‘salve-se quem puder’. É este o Brasil do futuro que minha geração esperava?”.

Crescemos sob o engodo que garantia que a tragédia de hoje seria redimida pelo futuro. A lorota se tornou sarcasmo e símbolo do inverossímil brasileiro. Quando o futuro chega, o que nos resta é a frustração dos iludidos.

No Brasil, a imprevidência se somou à omissão e à predação imoral, formando um conjunto que minou sistematicamente nossas chances de melhorar de vida no futuro, qualquer futuro.

No presente, mergulhados em uma campanha eleitoral tão divisiva quando rasa, vemos candidaturas desfilando personalismo e mentiras grosseiras ou mostrando-se impotentes para criar alicerces para um futuro virtuoso. Por isso, maneirismos e frases de efeito substituem diagnósticos e compromissos.

Sobre o incumbente, não se pode dizer que promove um desgoverno porque isso suporia desvio de rota. Quando não há rota e o governante só não é omisso para desestabilizar o país, o que se tem é um não governo, indigno em todos os sentidos.

As alternativas possuem natureza democrática: respeitam as regras do jogo institucional. Se vencerem, nos livrarão do pesadelo autoritário e anticivilizatório. Mas, por motivos distintos, não nos asseguram uma trilha da prosperidade ao país.

Imagem: divulgação/ EBC

As candidaturas capazes de propor agendas de transformação não conseguem mobilizar a maioria dos brasileiros nem pautar a discussão de propostas. As de maior visibilidade tiram da cartola fórmulas vagas, em muitos casos já fracassadas e presas a uma realidade paralela, alheias às profundas mudanças sociais e tecnológicas que transformam o planeta.

Resta à sociedade assumir a responsabilidade pelo diagnóstico de suas mazelas e pela formulação de novas perspectivas. Se o quadro de anomia social e o déficit de lideranças não encontra solução na estrutura política vigente, o protagonismo extrainstitucional dos cidadãos deve ser valorizado e aproveitado.

A iniciativa da qual fazemos parte, o Derrubando Muros, lançou-se ao desafio de consolidar e compartilhar visões transformadoras, inclusivas e modernizantes para o Brasil, que vem sendo produzidas por pesquisadores e instituições. Lançamos um documento público —”Uma Agenda Inadiável“— e estamos coletando críticas, sugestões e inclusões para a sua atualização permanente. O conteúdo está no site derrubandomuros.org.

É uma contribuição incompleta e aberta a evolução. Sabemos das lacunas. Como exemplo, não nos sentimos legítimos ainda para apresentar um projeto de equidade racial. Estamos empenhados em corrigir essa grave limitação, que não é apenas nossa, mas da própria estrutura social brasileira que condena negros e indígenas a uma condição opressiva de vulnerabilidade.

Mesmo em relação às propostas que já formulamos, podemos abrir mãos delas para assumir outras mais bem elaboradas e representativas. É fundamental que se saia da fulanização rasteira para endereçar os desafios óbvios do equilíbrio macroeconômico e dos direitos fundamentais, mas também é estratégico que o Brasil ponha o pé na fronteira dos negócios disruptivos que pautam o planeta.

Daqui em diante, esta Folha iniciará a publicação de artigos escritos por nossos integrantes sobre os 12 temas de “Uma Agenda Inadiável”, que representam gargalos sociais e econômicos a serem superados.

Na sua articulação, procuramos representar as mudanças imprescindíveis para o Brasil entrar na rota do progresso e da equidade.

Há outras centenas de iniciativas que podem qualificar o debate para a tomada de decisões que configurarão nosso futuro. Quem puder contribuir deve dar um passo adiante e assumir posição.

Democracia participativa é a melhor maneira de decidirmos sobre nossas vidas e superarmos os problemas que nos afetam. E o futuro? Este será reflexo das escolhas de nosso presente.

Por José Cesar ‘Zeca’ Martins e Yacoff Sarkovas
Respectivamente, sociólogo e consultor em propósito organizacional; coordenadores do coletivo Derrubando Muros