Precisamos buscar soluções orientadas por dados e fundamentadas em evidências
A sociedade civil do mundo inteiro viveu um momento da maior relevância neste último fim de semana, quando representantes de entidades de diversos países participaram, em Nova York, das conversas de alto nível promovidas pelo secretário-geral da ONU em torno dos 17 Objetivos de Desenvolvimento Sustentável (ODS) —a agenda pactuada entre os Estados-Membros para avançar na solução das maiores questões sociais e ambientais.
O evento, chamado Fim de Semana de Ação dos ODS, antecedeu a Cúpula, que é o principal fórum de discussão dos líderes globais sobre essa agenda.
Tive a honra de, no sábado, estar ao lado do secretário-geral, Antônio Guterres, em um dos painéis de debate. Falamos sobre o papel das organizações da sociedade civil no apoio, acompanhamento e prestação de contas dos governantes para que aconteça o ponto de virada na aceleração do cumprimento dos ODS até 2030, o prazo acordado há oito anos.
Estivemos numa grande sala, na sede da ONU, cheia de energia, expectativas, sonhos e possibilidades. Havia membros das Nações Unidas e de governos –e havia também lideranças globais de organizações da sociedade civil, incluindo lideranças jovens e femininas, à frente de causas de direitos humanos, falando de diversidade e equidade. Foi uma demonstração do nosso poder como sociedade civil global. Mas também mostrou que ainda faltava gente ali e que temos de trazer todos se queremos realmente caminhar para um mundo justo e sustentável.
A sociedade civil foi chave no desenvolvimento da Agenda 2030 e é fundamental para seu cumprimento. Em um momento de múltiplas incertezas e crises, nosso papel é ainda mais crítico e precisa ser ampliado.
Para isso, primeiro a sociedade civil também precisa prestar contas, praticar o que prega. Isso significa buscar soluções orientadas por dados, fundamentadas em evidências e baseadas em direitos. Temos de garantir que aquilo que estamos propondo é realmente em prol do interesse público, especialmente dos que são excluídos e marginalizados. É o que nos legitima.
Em segundo lugar, precisamos ocupar espaços formais de participação, como aquele em que estávamos no fim de semana. E, por fim, temos de ser estratégicos, usar ferramentas à nossa disposição para manter os governos responsáveis e promover ação –desde monitorar o Legislativo até criar campanhas de comunicação e instrumentos de defesa e litigância.
Fazer tudo isso não é fácil em um momento em que o espaço cívico está se fechando ao redor do mundo; em que a sociedade civil muitas vezes é uma ameaça e um alvo.
É por isso que devemos acionar os antídotos contra o fechamento do espaço cívico. Esses antídotos incluem construir alianças que envolvam mais do que os amigos que pensam como nós. Temos de estabelecer conexões entre setores, disciplinas e divisões, mesmo quando achamos que não temos nada em comum. É fundamental encontrar princípios comuns a todos os lados. Eles existem, e a transparência, a prestação de contas e a responsabilidade estão entre eles.
Se quisermos fortalecer e revigorar um multilateralismo eficaz e inclusivo, e precisamos fazer isso, temos que cultivar, nutrir e proteger o espaço cívico.
O sistema ONU e outras organizações internacionais só podem se beneficiar ao incluir vozes e representações das organizações não governamentais nos mais altos níveis de participação.
Temos um caminho complexo e incerto à frente. O bem-estar dos povos, do planeta e das gerações futuras depende de entregarmos os ODS e reequilibrarmos a relação entre as pessoas e a natureza. E isso só será possível com o trabalho árduo e a contribuição central da sociedade civil.
Ilona Szabó de Carvalho
Presidente do Instituto Igarapé; membro do Conselho de Alto Nível sobre Multilateralismo Eficaz, do Secretário-Geral da ONU; mestre em estudos internacionais pela Universidade de Uppsala (Suécia); integrante do coletivo Derrubando Muros.
Artigo originalmente publicado na Folha de S.Paulo em 19 de setembro de 2023.