Agro não pode ficar de fora; tenta-se proteger quem quer ampliar produção com desmatamento
A recente aprovação do projeto de lei 412/2022 pelo Senado, que visa criar o Sistema Brasileiro de Comércio de Emissões de Gases de Efeito Estufa, corre o risco de ter impacto insignificante, embora o texto seja ambicioso e bem estruturado. O motivo é um detalhe nada sutil: a exclusão deliberada do setor agropecuário, que é a principal fonte de emissões de gases de efeito estufa no Brasil.
A ideia do mercado de carbono é estabelecer limites para as emissões dos grandes poluidores. Quem excede esse limite tem que compensá-las, comprando créditos daqueles que conseguiram manter suas emissões abaixo do patamar estabelecido.
O Brasil ocupa a quinta posição entre os maiores emissores de gases de efeito estufa, atrás apenas de gigantes como China, EUA, Índia e Rússia. No entanto, o perfil das nossas emissões é singular. Enquanto esses países têm na queima de combustíveis fósseis a sua principal fonte de emissões, no Brasil o uso da terra —que engloba agricultura, pecuária e desmatamento— é o responsável por cerca de 75% delas. Estudos do MapBiomas e do Seeg (Sistema de Estimativas de Emissões e Remoções de Gases de Efeito Estufa) confirmam que mais de 95% das emissões relacionadas às mudanças de uso da terra são resultado da conversão de áreas naturais para a atividade agropecuária.
A justificativa dada para a exclusão da agropecuária no Brasil baseou-se em três pontos principais: outros países não incluem o setor; ausência de metodologias robustas para monitoramento; e impacto econômico potencialmente negativo sobre pequenos produtores. Esses argumentos, no entanto, não resistem a uma análise mais detalhada.
Quando olhamos para o mercado de carbono em outros países, observamos que a principal fonte de emissões nunca é excluída. A razão para a não inclusão da agropecuária em mercados como Europa, EUA e China é o fato de esse setor não ser o principal emissor. Mas na Nova Zelândia, onde as emissões da agropecuária representam 50% das emissões, o setor agropecuário está incluído desde sua criação, há mais de dez anos, com a implementação paulatina, prevendo apenas em 2025 a definição de limites de emissão.
Sobre a metodologia de monitoramento, vale destacar que a Embrapa (Empresa Brasileira de Pesquisa Agropecuária), com sua vasta experiência e reconhecimento internacional, tem plena capacidade de monitorar as emissões do setor agropecuário. Além disso, o projeto brasileiro foca em grandes emissores, aqueles que liberam mais de 25 mil toneladas de CO2e (dióxido de carbono equivalente) por ano: isso significa uma fazenda com pelo menos 12 mil cabeças de gado ou cerca de 13 mil hectares de soja. O impacto seria em bem menos de 1% dos produtores, mas cobrindo mais de 60% das emissões totais.
Mas então a que interesses se estaria atendendo ao retirar o agro da regulação? A resposta é: a produção baseada no desmatamento. O desmate de 50 hectares na Amazônia ou de 100 hectares no cerrado pode gerar emissões acima de 25 mil toneladas de CO2e, o que tornaria esses produtores alvos de regulação. O MapBiomas mostra que, por ano, menos de 1% dos imóveis rurais tem desmatamento —ou seja, o que se está fazendo é proteger uma minoria que pretende continuar expandindo a produção a partir do desmatamento.
As consequências das mudanças climáticas já são palpáveis em todo o território nacional, afetando inclusive a produção rural. É crucial que a Câmara dos Deputados reavalie essa exclusão, atendendo às expectativas do agronegócio moderno e dos defensores da sustentabilidade.
Tasso Azevedo
Coordenador do MapBiomas e integrante do coletivo Derrubando Muros.
Artigo originalmente publicado na Folha de S.Paulo em 27 de outubro de 2023.