Reduzir as profundas desigualdades raciais é tarefa incontornável na busca de um futuro
A questão racial no Brasil tem avançado, não há dúvida. Temos hoje em nível federal o Ministério da Igualdade Racial e, nos demais níveis, há organizações da sociedade civil que realizam ações relevantes no campo das relações raciais. No entanto, há muito ainda a avançar, e é necessário fazê-lo em uma velocidade maior para diminuir a enorme defasagem entre as condições de vida da população negra comparada com a da população branca. Nos próximos três anos, é essencial posicionar o enfrentamento das desigualdades raciais como eixo central para o desenvolvimento socioeconômico do país.
Apesar de figurar entre as dez maiores economias globais, o Brasil convive com altos índices de desigualdade. Esse paradoxo é enraizado no racismo sistêmico, resultado de séculos de escravidão que persiste, impedindo a maioria da população negra de desfrutar plenamente das riquezas econômicas e dos direitos sociais consagrados na Constituição.
Refletir sobre a realidade social brasileira significa procurar entender como o Brasil se posiciona ao lado das nações mais ricas em termos de Produto Interno Bruto e, ao mesmo tempo, consegue se igualar com países africanos reconhecidamente pobres no que se refere às desigualdades na distribuição da riqueza. Como essa assimetria bizarra se constituiu? A resposta é que, dentre os mais ricos, o Brasil é o único cuja maioria da população é negra. Portanto, o maior obstáculo para o desenvolvimento do Brasil tem sido a desigualdade racial.
Assim, é necessário que a redução das desigualdades seja uma meta nacional, como está no artigo 3º da Constituição Federal. E, para isso, é fundamental refletir e implementar políticas públicas, com ênfase na intersecção entre raça e gênero, ou seja, priorizando as mulheres negras que formam o grupo mais numeroso e, ao mesmo tempo, mais vulnerável da nossa sociedade.
Nada mais desigual do que tratar a todos igualmente em um país com enormes desigualdades de origem como o Brasil. Assim, políticas públicas que promovam a equidade são incontornáveis para alcançarmos a igualdade. As estatísticas oficiais apontam o fosso de desigualdade entre brancos e negros e demandam atuação imediata e focalizada no enfrentamento da exclusão social da população negra. Para tanto, o país precisa trilhar uma nova cultura de desenvolvimento —algo que ainda não feito nem pensado.
Governo e sociedade civil devem usar os dados oficiais para qualificar o debate e avançar na demanda por políticas públicas focalizadas, com o objetivo da promoção da equidade racial.
O número de negros que moravam em regiões periféricas, em áreas com baixos níveis de urbanização e serviços públicos, era mais que o dobro dos brancos, conforme dados do Censo 2010 (IBGE) em levantamento do Centro de Estudos e Dados sobre Desigualdades Raciais (Cedra).
A renda média per capita em domicílios somente com moradores negros era de R$ 598, ou seja, 40% da renda média dos domicílios ocupados por moradores não negros, que era de R$ 1.482. Nas ocupações predominantemente exercidas por pessoas negras, o rendimento médio do trabalho principal era de R$ 471,06, correspondente a um quinto do rendimento médio das ocupações predominantemente brancas, que era de R$ 2.532,56 (IBGE/Censo 2010 elaborado pelo Cedra).
A enorme disparidade de renda das famílias negras e brancas revela o funcionamento do ciclo perverso de reprodução da pobreza entre gerações. Não se deve mais usar band-aid para curar fraturas expostas desde sempre.
É preciso romper com esse mecanismo, ou o país do futuro estará condenado a ser equivalente ao que é hoje: desigual, injusto, inconcluso e estagnado.
Os negros estão super-representados em todos os indicadores de precariedade e sub-representados nos indicadores que potencializam o exercício da cidadania. A consistência dos dados raciais oficiais comprova as desigualdades entre brancos e negros independentemente do nível de escolaridade, território e geração, e evidencia a centralidade da questão racial para almejarmos um novo patamar civilizatório.
Helio Santos
Professor e doutor em administração pela USP; presidente do Conselho Deliberativo do Centro de Estudos e Dados sobre Desigualdades Raciais (Cedra); membro do Conselho da Oxfam Brasil; integrante do coletivo Derrubando Muros.
Artigo originalmente publicado na Folha de S.Paulo em 18 de novembro de 2023.