Educação em uma era de transições

Educação em uma era de transições

Avanços tecnológicos, científicos e sociais levaram a Humanidade aos maiores patamares de longevidade da história e impõe novos desafios à escola

Avanços tecnológicos, científicos e sociais levaram a Humanidade aos maiores patamares de longevidade da história. Desde a última década do século XX, vivenciávamos ainda um movimento de ampliação da democracia. No entanto, contrariando expectativas mais otimistas, assistimos em anos recentes ao recrudescimento do autoritarismo, até em sociedades que julgávamos mais amadurecidas.

Ao mesmo tempo, estamos diante de uma crise socioambiental sem precedentes, que questiona a sustentabilidade da vida humana como a conhecemos. E a tecnologia, tão fundamental para o progresso, apresenta-se também como risco de ampliação de desigualdades em um mundo de transformações aceleradas e incertas.

Essa onda de transições — sociais, demográficas, tecnológicas, democráticas e ambientais — exige ação imediata para moldarmos o futuro no caminho de uma sociedade mais justa, próspera e sustentável. Parte fundamental desse esforço passa pela mais estrutural das políticas públicas: a educação.

No que diz respeito à transição demográfica, o aumento da expectativa de vida e a redução da fecundidade vêm acontecendo no Brasil em velocidade mais acelerada do que prevista, conforme já abordado nesta coluna a partir do Censo Demográfico. Isso impõe a reformulação dos sistemas de saúde e Previdência.

A educação, nesse contexto, é fundamental para a capacitação ao longo da vida, considerando novas carreiras e desafios em um mercado de trabalho de configuração imprevisível. Ao mesmo tempo, os efeitos dessa transição demográfica já trazem consequências.

Por um lado, a redução da fecundidade também facilita a ampliação do investimento por aluno. Por outro, já causa o fechamento de escolas e aumenta a pressão sobre os mínimos constitucionais previstos para a educação, frente a demandas de outras áreas por gastos crescentes devido ao envelhecimento populacional, caso da saúde e Previdência.

No campo político, há em curso um movimento reacionário de fragilização da democracia. Na educação, isso é percebido por ações como a militarização de escolas e perseguição a professores ou mesmo o banimento de livros (como no caso recente da Flórida).

Frente ao populismo reacionário, com seu apelo à polarização e à desconfiança nas instituições, precisamos construir uma educação que nutra a cidadania ativa e responsável, como força unificadora. A escola é local para que estudantes aprendam não apenas os fatos, mas também a discernir informações confiáveis de desinformação.

Além disso, o currículo deve promover o pensamento crítico, a reflexão analítica, a empatia e a resolução pacífica de conflitos.

O avanço da Inteligência Artificial generativa, para além da incidência sobre a ética e a regulação, impacta os parâmetros de desenvolvimento do pensamento crítico dos estudantes e a modelagem dos processos de ensino e aprendizagem, sobretudo os comprometidos com equidade.

As oportunidades que se abrem com o avanço da tecnologia e dos modelos de IA preditiva e IA generativa permitem o fortalecimento do papel pedagógico dos professores, criando condições tanto de personalização do ensino como de aumento da qualidade da produção e da reflexão coletiva dos estudantes nos vários ambientes de aprendizagem.

A emergência ambiental, com suas ameaças urgentes — também já destacadas nessa coluna —, nos desafia. As escolas, de novo, sentem consequências como o fechamento cada vez mais frequente por causa de eventos climáticos extremos e, ao mesmo tempo, têm papel crucial na conscientização sobre sustentabilidade e conservação ambiental.

Isso vai além de ensinar sobre ecologia. Envolve, pois, a promoção de um senso de responsabilidade ambiental, inspirando o desenvolvimento, a escolha de trajetórias sobre a sociedade e a implementação de soluções inovadoras.

No entanto, é fundamental reconhecer que enfrentar esses desafios requer um esforço conjunto. A educação é motor de mudança — dimensão incontornável, mas, evidentemente, sozinha é insuficiente para promover as transformações necessárias.

Além disso, precisa ser apoiada por políticas públicas baseadas nas melhores evidências e em valores democráticos. Por fim, a educação de qualidade, que prepare para o aprendizado ao longo da vida, tem de ser acessível a todos.

Enfrentamos desafios sem precedentes, mas temos a oportunidade de moldar um futuro com maior plasticidade e adaptabilidade, com potência real de ser sustentável, democrático e com uso das tecnologias em favor do bem-estar social.

Parte importante da chave para o sucesso reside na forma como, diante de todas essas transições, adaptaremos no presente nossos sistemas educacionais na direção de uma sociedade mais justa, dinâmica, criativa e equitativa.

Ricardo Henriques
Superintendente-executivo do Instituto Unibanco; professor associado da Fundação Dom Cabral; integrante do coletivo Derrubando Muros.

Artigo originalmente publicado no O Globo em 25 de setembro de 2023.